quinta-feira, 19 de março de 2009

Sobre o Perspectivismo



"Minha questão é: qual o ponto de vista dos índios sobre o ponto de vista? Não se trata de perguntar qual é o ponto de vista dos índios sobre o mundo, porque essa pergunta já contém sua própria resposta. Ela supõe que o ponto de vista é uma coisa, o mundo uma outra, exterior ao ponto de vista."

Eduardo Viveiros de Castro, do Livro Eduardo Viveiros de Castro organizado por Renato Sztutman (coleção encontros, Editora Azougue Editorial)



Araweté
O pajé Kañî-paye com o aray e o charuto.
Foto: Eduardo Viveiros de Castro, 1982.



"Fiz um trabalho teórico que não é só meu, é dos meus alunos também. Faço uma experiência filosófica que no fundo é muito simples. Temos uma antropologia ocidental, montada para estudar os outros povos, certo? O que aconteceria se vocês imaginassem uma antropologia feita do lado de lá, ou seja, do ponto de vista indígena? Foi isso que me levou a entender que, para os índios, a natureza é contínua, e o espírito, descontínuo. Os índios entendem assim: há uma natureza comum e o que varia é a cultura, a maneira como me apresento. Daí a preocupação de se distinguir pela caracterização dos corpos. E as onças, como se vêem? Como gente. Só que elas não nos vêem como gente, mas como porcos selvagens. Por isso nos comem. Enfim, para os indígenas, cada ser é um centro de perspectivas no universo. Se eles fizessem ciência, certamente seria muito diferente da nossa, que de tão inquestionável nos direciona a Deus, ao absoluto, a algo que não podemos refutar, só temos de obedecer. Os índios não acreditam na idéia de crer, são indiferentes a ela, por isso nos parecem tão pouco confiáveis (risos). No sermão do Espírito Santo, padre Antonio Vieira diz que seria mais fácil evangelizar um chinês ou um indiano do que o selvagem brasileiro. Os primeiros seriam como estátuas de mármore, que dão trabalho para fazer, mas a forma não muda. O índio brasileiro, em compensação, seria como a estátua de murta. Quando você pensa ela está pronta, lá vem um galho novo revirando a forma."

Eduardo Viveiros de Castro em entrevista para O Estado de S. Paulo, publicado em 20/04/2008

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