sexta-feira, 29 de maio de 2009

Xamãs do Alto Rio Negro



Povos do alto rio Negro




Por contraste, caberia mencionar, a região do alto rio Negro, o noroeste amazônico, morada de povos de língua Tukano. No início dos tempos, antepassados míticos criaram o mundo que, antes, não existia. Das entranhas de uma cobra grande ancestral, que fazia o percurso do rio, saíram, em pontos precisos daquele percurso, os primeiros antepassados de cada um dos vários povos da região, determinando, assim, seus respectivos territórios, suas atribuições específicas e um padrão hierarquizado de relacionamento entre eles.

Em muitas cosmologias, as relações entre humanos e os demais seres são pensadas através da idéia da predação, numa metáfora que simbólica e logicamente aproxima caça, guerra, sexo e comensalidade.

Ainda no alto rio Negro, o xamã parece estar encarregado de garantir que fluxos e volumes de energia vital compartilhada por humanos e animais mantenham-se em níveis adequados. Exageros na matança de animais deflagrariam, como contrapartida, epidemias e malefícios entre os homens, provocados por espíritos protetores dos animais. Um equilíbrio vital nas lembranças e o convívio com a idéia da morte são experiências diárias na apreciação e na condução da vida.



Fontes:

ISA - Instituto SocioAmbiental

e

quarta-feira, 27 de maio de 2009

Comunicado 4 - O Fim do Mundo



Mais precisamete porque se fez necessário numa época sensacional de gripe econômica, gripe ambiental, gripe política, suina, enfim. Na espera pelo grandissíssimo espirro final do progresso.

"A AAO declara-se oficialmente entediada com o Fim do Mundo. A versão canônica tem sido usada desde 1945 para nos manter acovardados diante do medo da Inevitável Destruição Mútua e em chorosa servidão aos nossos políticos super-heróis ( os únicos capazes de lidar com a fatal Criptonita Verde)...

Qual a importância de termos descoberto uma forma de destruir a vida na Terra? Quase nenhuma. Nós imaginamos isso como uma forma de fuga da contemplação de nossas próprias mortes individuais. Criamos um emblema para servir como imagem-espelho de uma imortalidade descartada. Como ditadores dementes, desfalecemos ao pensar em levar tudo conosco para o fundo do Abismo.

A versão não oficial do Apocalipse envolve uma nostalgia lasciva pelo Fim e por um Éden pós-Holocausto onde os sobreviventes (ou os 144 mil eleitos das Revelações) podem se entregar indolentemente às orgias de histeria dualista, aos intermináveis confrontos finais com um demônio sedutor...

(...)

Qualquer um que pode ler a história com os dois hemisférios do cérebro sabe que um mundo termina a todo instante - as ondas do tempo lavam tudo e deixam apenas as memórias de um passado fechado e petrificado - memória imperfeita, ela mesma moribunda e outonal. E a todo instante também é gerado um mundo novo - apesar dos protestos dos filósofos e dos cientistas cujos corpos se paralisaram - uma atualidade na qual todas as impossibilidades se renovam, em que arrependimentos e premonições dissipam-se em nada num único gesto presencial, psicomântrico e hologramático.

O passado "normativo'' ou a futura morte do universo significam tão pouco para nós quanto o PIB do ano passado ou a degeneração do Estado. Todos os passados Ideais, todos os futuros que ainda não passaram, simplesmente obstruem a nossa consciência da vívida presença total.

Certas seitas acreditam, que o mundo (ou "um'' mundo) já chegou ao fim. Para as Testemunhas de Jeová, aconteceu em 1914 (isso mesmo, senhores, estamos vivendo o Livro das Revelações agora). Para certos ocultistas orientais, aconteceu durante a grande Conjunção dos Planetas em 1962. Joaquim de Fiore proclamou a Terceira Era, a do Espírito Santo, que substituiu a do Pai e do Filho. Hassan II de Alamut proclamou a Grande Ressurreição, a imanência do eschaton, o paraíso na Terra. O tempo profano terminou em algum ponto da Idade Média. Desde então, vivemos em tempos angelicais - só que a maioria de nós não sabe disso.

Ou, partimos de um ponto de vista monista ainda mais radical: o Tempo nunca começou. O Caos nunca morreu. O Império nunca foi fundado. Não somos e nunca fomos escravos do passado ou reféns do futuro.

Sugerimos que o Fim do Mundo seja declarado um fait acompli; a data exata não importa. Os ranters, em 1650, sabiam que o Milênio se inicia agora em cada alma que desperta para si mesma, para o seu próprio centro e divindade. "Regozije-se, companheiro'', era o cumprimento que usavam. "Tudo é nosso!''

Eu não quero participar de qualquer outro Fim do Mundo. Um garoto sorri para mim na rua. Um corvo negro pousa numa árvore de magnólias rosadas, grasnando enquanto o orgônio se acumula e é liberado numa fração de segundo sobre a cidade... o verão começa. Eu posso ser seu amante... mas cuspo em cima do seu Milênio."



Hakim Bey - CAOS - Terrorismo Poetico e Outros Crimes Exemplares


Post extraído de: http://amescachees.blogspot.com/2009/05/comunicado-4-o-fim-do-mundo.html

sexta-feira, 8 de maio de 2009

O terror do Boulevard de Montparnasse


Segue abaixo um trecho interessantíssimo do livro "Contracultura através dos tempos" (1), onde é relatado um dos escândalos causados pelo grupo surrealista de Breton.




Uma das mais famosas provocações surrealistas parece ter sido espontânea e localizada. Em julho de 1925, os surrealistas foram convidados a participar de um banquete formal patrocinado por Les Nouvelles Littéraires para todos os seus colaboradores. Embora muitos surrealistas escrevessem para essa estabelecida publicação literária, Les Nouvelles Littéraires apresentava muitos dos mais importantes “homens de letras” da França. Os surrealistas estavam se comportando bem ao longo do jantar, até que se ouviu a conservadora Madame Rachilde dizer:
- Uma francesa nunca deveria desposar um alemão.
Horrorizado com essa xenofobia, Breton ergueu-se e disse à mulher:
- O que você disse é extremamente insultuoso para com nosso amigo Max Ernst.
Como conta Franck*,

"Uma maçã voou pelo ar, depois outra. Breton (...) jogou um guardanapo no rosto de Rachilde, gritando:
-Puta da tropa!
A batalha continuou. A comida voava por todos os lados. A travessa de peixe com molho de creme era uma catapulta, e tudo servia como munição: vegetais frescos, a prataria, os copos, os pratos. (...)
Philippe Soupault respirou fundo, se agarrou no candelabro, ficou pendurado se balançando e acertando qualquer um que passasse. Vindo de uma sala contígua, Louis de Gonzague Frick, por sua vez, se lançou sobre os surrealistas. Uma multidão estava reunida na calçada. Max Ernst colocou as mãos em concha junto à boca e gritou:
- Abaixo a Alemanha!
Michael Leiris respondeu:
- Abaixo a França!
- Viva a China!, gritou alguém.
- Viva os africanos!, gritou outro."



Notas do Blog:

* Dan Franck nasceu em Paris no ano de 1952, estudou Sociologia na Universidade Sorbonne. Atualmente é escritor e roteirista de cinema e televisão. Este trecho faz parte de seu livro “Boêmios”.

1: GOFFMAN, Ken e JOY, Dan. Contracultura através dos tempos. Ediouro, 2004. (trad.: Alexandre Martins)

quarta-feira, 6 de maio de 2009

Poemas e Sonhos


MANUEL BANDEIRA E O SONHAR POEMAS



Manuel Bandeira (1886-1968) poeta essencialmente lírico, construiu uma solidíssima obra dentro do Modernismo do Brasil. O poeta conhecia várias línguas e havia visitado praticamente toda a tradição poética do Ocidente, e alguma coisa de Oriente. Isto quer dizer que possuía um repertório invejável em termos de Poesia (um poeta se faz lendo/ouvindo outros poetas) o que lhe possibilitava, somando a tudo isso, o seu talento / sensibilidade, fazer poesia, e da melhor. Pois é, Bandeira sonhava poemas inteiros ou os concebia em estado entre o sono e a vigília - num quase delírio, eu diria. Após conceber poemas nessas circunstâncias, Bandeira ou conseguia reconstituí-los inteiros ou parcialmente. Seria possível a qualquer pessoa sonhar uma obra de arte de qualquer natureza? Poderia - alguém - sonhar um grande poema, por exemplo, ou, mesmo, um poema simplesmente bom? Eu diria que a resposta é não. A não ser que o sonhador fosse capaz de reconstituí-lo quando acordado e o tal poema continuasse bom ou excelente! Se Manuel Bandeira era capaz de sonhar bons poemas, é porque ele era capaz de fazê-los quando acordado. E sempre fez bem melhor quando acordado. O seu lindo "Oração no Saco de Mangaratiba" seria final de um longo poema, a única parte em versos regulares (eneassílabos) poema que ele concebeu num estado de semi-demência (dormência) como narra em seu Itinerário de Pasárgada. Ou seja: você só sonha mesmo um poema, quando tem repertório para sonhá-lo e até reconstituí-lo quando em estado de vigília. A inspiração, entendida como momento em que tudo contribui para que a obra se perfaça, só acontece quando a pessoa possui já a informação, quando tem repertório para isso. Intuição, IDEM: não se intui do nada: já se possui repertório e a intuição, portanto, é informada. Nada vem do nada, assim como nada garante nada. Dados emergem do Inconsciente, principalmente em sonhos: Freud colocou o sonho como a porta de entrada para o Inconsciente, mas até acordado pode acontecer um fluxo do Inconsciente (atos-falhos...). Se você vier a sonhar um poema tão lindo como aqueles de Safo que nos chegaram aos pedaços, reconstitua-o e publique-o. Divida-o com os outros mortais e… tenha bons sonhos!

Em tempo: Na relação Poesia-Sonhos, podemos considerar fundamentalmente três aspectos: 1. O sonho enquanto tema para poemas: registro de lembranças do universo onírico. 2. O poema que é sonhado e que se é capaz de reconstituí-lo total ou parcialmente, porque se é capaz de elaborá-lo em estado de vigília. 3. A utilização tanto quanto possível, nos poemas do modo como se organizam os sonhos. Isto tudo eu tentei desenvolver numa conferência na PUCSP, durante semana de comemoração dos cem anos do advento da obra de Sigmund Freud Interpretação dos Sonhos, época em que Samira Chalhub, grande amiga, estudiosa da psiqué e das linguagens, já não desfrutava dos ares deste nosso Planeta. A ela dedico este escrito. OMAR KHOURI



Fonte: http://www.nomuque.net/discernir/historinhaspoetas_bandeira.html