domingo, 13 de setembro de 2009

Do tédio ao mundo


A música punk nos ensinou que o tédio era um guia bem confiável para a identificação de todas as formas de conhecimento que eram irrelevantes para entender o mundo que viamos ao nosso redor e o nosso lugar nele.

(Peter Gow - An Amazonian myth and its history)





Tradução livre, feita para o blog. Abaixo, o orignial:


(…) punk music had taught us that boredom was a very reliable guide to the identification of all forms of knowledge that were irrelevant to understanding the world we saw around us and our places within it. (Oxford University Press, pg. 5)

24 comentários:

Figuera disse...

É interessante como não só o movimento punk, mas a maior parcela dos movimentos culturas pós anos 70, tem essa característica de conhecimento irrelevante.

E é algo que está fortemente relacionado com a despolitização das pessoas nos últimos anos.

lalb disse...

Eu acabei por descontextualizar o trecho, o que pode acarretar em problemas de interpretação.

Peter Gow está introduzindo a sua obra, e justificando certas opções metodológicas e o pq da sua hipótese apontar para um determinado caminho e não para outro.

Bom, ele diz que a sua hipótese inicial, nos anos 80, era de cunho marxista, e que ele foi pesquisar os Piro por conta de um interesse na Hitória comum dos povos em sentido marxista. Foi na época dos processos de descolonização, etc. (Peter Gow é escocês).

Ele também diz que, para jovens como ele, interessados na situação politica mundial do momento, envolvidos com o ideário da esquerda da época, e com a música punk, a antropologia social britânica classica parecia algo velho e entediante. A frase anterior a este trecho diz exatamente isso: que a antropologia classica era chata.

Bom, a antropologia social britânica (funcionalista e funcional-estruturalista) tem seu enfoque no fazer etnográfico e na situação em que os povos observados se encontram no momento mesmo em que estão sendo observados (o chamado "presente etngoráfico").
Os antropólogos desta corrente refutavam análises históricas (da forma como eram feitas no inicio do séc.) por crerem ser impossivel de se comprovar como foi o passado das sociedades que estudavam (normalmente, sociedades sem escrita).

lalb disse...

Agora, quanto ao fato do punk focar bastante no conhecimento irrelevante, isso é bem verdade... Qto aos outros movimentos pós-70 eu já não sei... Acho que o pessoal dos anos 60 tbm tinha um pouco disso, não?

Acho que o movimento punk foi um dos ultimos - senao o ultimo - movimento a ter um enfoque bem politizado. Depois disso...

lalb disse...

Ah, sim! Esqueci de dizer que a metodologia empregada pela antropologia social britanica classica tinha relação com aquilo que eles estavam querendo descobrir ao fazer antropologia, e que é, de certa forma, bem diferente daquilo que o Peter Gow estava tentando descobrir, e com aquilo que ele vem estudando nos ultimos tempos - obviamente que, durante a sua trajetória, ele mudou bastante o seu enfoque.

Figuera disse...

Haha sabia que corria o risco de fazer uma interpretação errónea.

Não sou grande conhecedor do movimento punk, mas não acha que os movimentos do ano 60 tinha um carácter politico muito forte?

O movimento hippie por exemplo.

Depois essa politização fui diminuindo constantemente até os dias de hoje...

Porque? Com a crise do petróleo (visão de economista *.*) no começo da decada de 70 marca o declínio da URSS, como isso o comunismo vai lentamente deixando de apresentar perigo para o modo de vista ocidental e capitalista...

Podemos falar o que quisermos da URSS, mas ela criou um sociedade bem mais politizada e engajada, algo que hoje não existe...

jholland disse...

Acho que o que os punks consideravam "política" não é a mesma coisa que um economista ou um político assim considera.

O "locus" do fazer "político" se alterou após 68.

Assim também,aconteceu com a arte etc.

Ou seja, talvez o que consideremos "arte" ou "política" não tenha nada a ver com as concepções tradicionais de "poítica partidária" ou "artes plásticas".

Talvez hoje em dia a "arte" seja feita através da guerra e a "política" esteja acontecendo por meio de construções de identidade.

Figuera disse...

Construção de Identidade?

Não acha isso um tanto individualista? (E olha que eu que sou o economista =O)

jholland disse...

É pseudo-individualista. É egóico-grupal. Uma espécie de feudalismo narcisista. Há quem chame isso de Pós-Modernismo...

Figuera disse...

E você acha isso de qualquer forma positivo socialmente?

jholland disse...

Não acho positivo.
Considero a atual configuração pós-moderna muito próxima do fascismo. Há muitos sinais indicativos disso, embora, concomitantemente, muitos contra-poderes, em igual medida e igualmente novos, também estão no Palco.
Entretanto, é bom ser realista nessas questões: acredito que estamos passando por um momento de transição civilizacional, daí porque não adianta sermos saudosistas e nos apegarmos a critérios do que seja o "fazer político", do que seja "a arte" etc.
Ao contrário, parece que os antigas ferramentas conceituais e filosóficas não mais dão conta do presente - quanto mais do futuro próximo !
Simplesmente essas coisas mudam, nem sempre para uma configuração mais libertária, nem sempre para a "Volta do Messias" , da "Revolução do Proletariado", etc.
Todo o paradigma está sofrendo uma alteração profunda.
A própria noção de tempo, espaço, nossas relações com a mente, com o corpo, com a natureza, tudo isso também muda.
Para onde estamos indo é difícil dizer, mas está em curso uma transformação profunda, que pode ainda levar algumas décadas.
Abs !

Figuera disse...

Pensamento positivista....

lalb disse...

positivista?

Figuera disse...

Sim, primeiro esse conceito de civilização, que sempre achei engraçado, e que é a máxima de qualquer positivista.
Depois essa questão de linearidade, a humanidade segue uma linha (o tempo) de "tranformações profundas" em uma direção difícil de se discernir (?progresso?).
Assim os conceitos antigos não tem mais utilidade no presente, quanto mais no futuro.
Tudo isso parece acontecer de forma autónoma e sem influência dos homens...

Tipico pensamento positivista...

Deve adicionar que mesmo que você não acredite na ideia de "progresso", isso não muda a cerne do seu pensamento.

lalb disse...

não. acho que é um pensamento mais hermenêutico do que positivista. afinal, vc nega o fato de que as coisas se transformam e deixam de ser significativas? que explicação vc sugere?

ninguém falou de seguir uma linha, apenas de que certos conceitos (teóricos) talvez não possam ser empregados na atual configuração daquilo que se convencionou chamar "civilização" (que desgina a cultura européia-ocidental).

se fosse um pensamento positivista, ele determinaria leis, ou um caminho para o qual as coisas estão indo, e não estaria falando de mudanças, apenas.

mudanças significam que as coisas não estão congeladas, que a visão de mundo dos seres humanos se altera.

Figuera disse...

Mudanças autónomas sem participação de nos seres humanos.

Se as mudanças acontecem sem que possamos orienta-las então elas seguem uma linha própria, nunca andam para tráz (porque as mudanças são sempre incontestávelis), não concorda?

lalb disse...

existe frente e trás? o que estaria na frente e o que estaria atrás?

as mudanças, nesse caso, são mudanças de estado de configurações sociais, mudanças no estado da visão de mundo (tome-se como estado aí o significado que os sujeitos atribuem ao mundo que os cerca). mais ou menos como os estados mentais de um indivíduo (oras ele tá feliz, oras triste, etc). não seriam mudanças vistas como um caminhar da sociedade (civilização, cultura, vc escolhe o termo)... portanto, a direção se dá no caos. e o caos não tem distinções classificatórias (frente, trás, alto, baixo, etc).

as ações dos sujeitos determinam para ondem eles vão, mas como os sujeitos estão envolvidos em inúmeras relações uns com os outros, e como muitas vezes as próprias ações não são efetuadas racional e conscientemente levando em consideração as infinitas possibilidades de atuação, bem como as influências (geralmente ocultas aos olhos dos indivíduos) de outros, não podemos falar de um poder absolutamente consciente de mudança em direção a qualquer coisa.

as direções não existem, a racionalidade pura também não.

só o caos existe.

acho que isso é bem oposto do evolucionismo, não?

lalb disse...

(se é que eu entendi bem oq o jholland falou)

lalb disse...

talvez a melhor palavra não fosse "mudança" mas alteração... no sentido de se estar em constante transformação em direção a um outro. ALTER - AÇÃO.

se existisse frente/trás, não se estaria indo em direção a um outro, mas a transformação seria interna.

jholland disse...

É...
O tédio pode nos ajudar a conhecer o que seja o movimento-imanente-transmutador.

jholland disse...

Vou pontuar algumas questões, pensando um pouco também nas discussões acerca da Antropologia Simétrica e do Perspectivismo. São apenas divagações ao léu, que tentarei linkar com a conversa acima, já que estamos comentando, não por acaso, um texto do Peter Gow.
Tendo em vista que nosso amigo Figueira parece ainda se incomodar com a semântica, vou tomar a liberdade de cunhar um conceito próprio - válido como ponto de partida do argumento para os fins desta discussão.
O ponto em questão é o conceito de "cultura": tudo aquilo que nos condiciona e nos conforma a uma visão de mundo, nos fornece uma escala de valores. É um ponto de apoio que nos permita definir o que é desejável (ou não), o que é confortável (ou não), o que é o "bem" e o que é o "mal" e, sobretudo, o que é significativo ou não. Há muitas variações para esse conceito geral. No caso, vou cunhar um conceito que chamarei "TROLOLÓ". Definirei Trololó como a soma daquilo que usualmente chamamos: ["civilização"] + ["ideologia"] (mais fortemente no sentido dumontiano que marxista, mas incluindo este) + ["cultura"].

Para fins didáticos e provisoriamente, diria que Trololó nos fornece não apenas uma ferramenta cognitiva, mas também axiológica. Uma ontologia, uma escala de valores, uma noção de "eu".

Preliminarmente, Trololó tem como peças fundamentais para operar - diria, está apoiada - em 3 noções básicas e intimamente relacionadas, entrelaçadas: 1)uma noção de tempo; 2) uma noção de espaço; 3) uma noção de corpo. Na verdade, essas 3 noções são uma só. Uma dada conformidade de corpo-tempo-espaço para cada Trololó. Ou, melhor ainda, diria que Trololó não apenas se apóia nessas noções, como também forma e re-afirma as mesmas. É estruturante delas e é estruturada por elas. Como diria Guy Debord: "o Espetáculo limita-se a enunciar a si próprio." Trololó é, assim, a própria noção que temos de corpo-tempo-espaço. A partir delas - estou dizendo isso ainda num nível preliminar - erigimos nossa escala de valores, o que é "bom" e o que é "mal", o que é certo e o errado etc. E também nossa noção do que seja natureza e cultura, quando estas existirem.
(continua)

jholland disse...

Nossa Trololó Ocidental tem como íntimas as noções de: progresso, tempo linear (passado-presente-futuro), corpo fixo e objetivo, materialismo, individualidade, separação de natureza-cultura, sujeito/objeto, "objetividade", consciente/inconsciente, razão/loucura, racional/irracional, História, processo, linguagem etc. Sempre que nos depararmos com esse tipo de cisão, de dualidade e de separatividade, estaremos dentro da malha de condicionamentos dessa Trololó especifica, Ocidental (estou ciente de que estou generalizando). Por exemplo: é próprio de nossa Trololó dizer que tudo está na linguagem, ou que tudo é histórico ou ainda a versões descartianas-kantianas. E também todas as variações materialistas. Tudo isso está na superfície de nossa Trololó.

Para outras Trololós (dos índios, da Antiguidade, da Pré-História etc), outros problemas e outras cisões são construídas.

A Trololó encontra seu apoio em nossa própria mente, que reproduz a cada instante essa configuração do que seja o nosso corpo, tempo e o espaço.Ela depende de um modo específico de operarmos com nossa mente. Ela nos convence de que somos de uma determinada maneira, que não podemos ser de outra maneira e que nossa mente está conformada a operar dessa forma. A mente então - flexível e ávida por identificações - aceita esse argumento, esse enunciado e opera e se conforma desse modo, aceitando a si mesmo como seu próprio limite.

(continua)

jholland disse...

Por isso, para superá-la há que se examinar detidamente, de uma forma não dualista e separada, as noções de corpo-tempo-espaço. O que importa dizer aqui é: ao admitirmos isso, à simples admissão de possibilidade de que isso pode ser feito, já nos posicionamos parcialmente fora de Trololó, posto que a forma não-dualista de exame significa a própria superação daquela dualidade "trolololística". Podemos dizer: para o exame (vivencial-emocional-filosófico-racional-consciente-inconsciente-mental-corporal-subjetivo-objetivo), temos que nos apoiar e nos posicionar "fora" de Trololó.

Ao proceder assim e avançar nesse "processo", o observador começa a duvidar e a relativizar suas próprias noções do que seja corpo-tempo-espaço: eessa "dúvida" não é apenas racional-conceitual (pois então ainda estaria em Trololó), mas VIVIDA: ele começa a sentir seu corpo mais fluido e talvez não muito dotado de realidade "ontológica", começa a dissolver seu corpo e as dualidades mentais (Eu, EGO etc). Poderá passar por algumas experiências bem estranhas...E considerar seriamente que se tornor um ser contra-cultural. Um sujeito ferreamente posicionado dentro de Trololó poderia quase dizer que nosso observador está passando por um surto esquizofrênico (esquizo-análise, Deleuze-Guatarri).

Importante aqui é que Trololó não é assim, insuperável, monolítica, estável. Ao contrário, é dinâmica devido inclusive aos próprios resíduos por ela fabricados. Há sempre novos resíduos a serem incorporados e que também fornecem instabilidade e vitalidade a Trololó. Trololó é sempre dinâmica, por definição. Ela depende desse dinamismo.

O texto de Gow toca um pouco nesse ponto: o tédio e a paralisia podem fornecer um ponto de apoio interessante, caso o observador-experimentador-de-si-próprio esteja disposto a não rompê-lo (não romper o tédio, encontrar-se a si próprio). A não dinâmica sugere a própria superação de Trololó. O Budismo tem muito a dizer sobre isso.

Voltando à questão Simétrica-Perspectivismo: pôr em questão o que seja corpo-tempo-espaço implica não apenas um método, mas uma superação do que seja método; posicionamo-nos aqui além da separação forma / conteúdo.

jholland disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
jholland disse...

De uma certa forma é como se o Antropólogo Simétrico-perspectivista fosse, ele próprio, uma espécie de psicanalista (ou esquizoanalista), operando aquela experiência xamanística descrita acima. Ele problematiza as noções de corpo-tempo-espaço, valendo dizer, as noções de "Eu"/"Outro" e "Natureza"/"Cultura". Ao fazer isso, não apenas está operando um "método", mas aqui está além do método, está revolucionando o núcleo daquilo que dá origem àquilo que Trololó chama de "essência" e "aparência"; substância e forma.
Executa uma transmutação íntima e dissolve Trololó e seus enunciados mais substantivos (na verdade a própria noção de substância). Daí porque, enfatizo, não é possível distinguir, nesse caso, o que é objeto e método, pois essa separação, essa "ontologia", deriva daquilo que está sendo superado e dissolvido.