No momento, estou iniciando na graduação de Ciências Sociais da UFPE um curso sobre modernismo e pós-modernismo. Não estou muito interessado naquilo que Berman chama de modernidade sólida, ou seja no império da razão, da disciplina, do registro contábil, da previsibilidade, mas naquilo que ele chama visão diluidora da modernidade, e que Scott Lash chama modernidade estética, e eu, simplesmente, modernismo. A teoria sociológica estabeleceu desde muito cedo um diálogo produtivo com os movimentos estéticos que se posicionaram de modo crítico ou laudatório em relação ao mundo moderno, industrial.
Essa constatação, todavia, nunca é levada muito a sério, pois no mais das vezes os sociólogos estão interessados em demonstrar a solidez de seu conhecimento, o quanto ele é sisudamente científico. Muito de passagem, costuma-se falar, por exemplo, do impressionismo simmeliano; não seria, de fato, difícil apontar na obra de Georg Simmel um vitalismo que o aproxima da ênfase que o Impressionismo dá ao movimento como traço não apenas da vida moderna, mas de sua estética. O antiformalismo simmeliano, seu ensaismo também são elementos que o conectam a este tipo de estética. Simmel parece, portanto, ser uma ovelha desgarrada entre os clássicos - já se falou, para poder dar coerência a uma visão pobre, mas corrente da sociologia clássica, que ele seria pós-moderno temporão (Cf Weinstein, D. e Michael Weinstein. 1993. Postmodern(ised) Simmel).
Por tudo isso, acredito que seja frutífero reconhecer a enorme importância que o romantismo tem na consolidação de uma vertente interpretativa nas ciências sociais. Primeiro poderíamos falar de algumas referências comuns. Quem já leu o Discurso sobre os Fundamentos e a Origem da Desigualdade entre os Homens poderá de imediato retirar algumas conclusões. Romântico em sua idealização de uma infância perdida da humanidade, em sua crítica radical ao processo civilizador, Rousseau é neste livro uma referência duradoura para as ciências sociais. Derrida, por exemplo, observa a influência deste livro na obra de Lévi-Strauss, em seu carinho pelo bom selvagem. Gerd Bornheim, acredita que Rousseau (ou uma interpretação simplificada de sua obra) seja uma influência mais direta no proto-romantismo alemão, mas especificamente no movimento Sturm und Drang (Tempestade e Ímpeto). A busca de uma relação mais direta do homem com a natureza, a valorização do irracional, do genial ( concebido como força não racional), são alguns valores que aproximaria Rousseau do proto-romantismo alemão.
Introduz-se assim a crença, à qual todo o Romantismo permanecerá fiel, de que a irracionalidade é uma força positiva: o caos constrói, compõe. Daí o tema do demoníaco no Sturm und Drang, que leva a considerar o gênio o valor máximo. O gênio é o Kraftmensch, o homem habitado pela força da natureza, que faz dele um demiurgo apto a manifestar todas as suas possibilidades, o infinito da pulsação cósmica que traz consigo e o anima. Antecipando Nietzsche, é caracterizado como uma espécie de super-homem. A ordem, a virtude, a moral são substituídas pelo caos criativo, pela força do gênio, pelas paixões vitais além de toda medida (Bornheim G. In Guinsburg, O Romantismo, p. 82)
Uma outra vertente do Romantismo alemão, parte, não de Rousseau, mas do Iluminismo kantiano. Lembremos, a propósito, de Schleiermacher, célebre por sua contribuição na consolidação de uma hermenêutica científica, e que esteve muito próximo dos círculos onde transitavam figuras destacadas, tais como os irmãos Schlegel ou Novalis. Se esses pensadores colocam-se sob a influência kantiana tal como ela é processada por Fichte, eles não compartilham com o pensador de Könisberg seu entusiasmo pelas Luzes, seu otimismo em relação a começar um mundo novo, de realização do potencial de liberdade do ser humano, a partir de uma ruptura com o passado. O Iluminismo pretendeu ser um movimento de ruptura, a inauguração de uma ordem social inteiramente racional, cuja legitimidade teria que ser constantemente conquistada no presente do diálogo entre os seres humanos. Em contraste, e em oposição, Novalis, Schleiermacher ou os Schlegel viam a tradição como um manancial importante de reflexão e produção artística.
Para o romantismo, o passado é fonte de inspiração, e à idéia de uma sociedade racional, ele opõe a emoção como elemento de coesão social e de conexão com este passado. A hermenêutica moderna deve muito a esse movimento artístico. Citarei um trecho do livro O Romantismo, de J. Guinsburg: "Assim, porque tudo se faz "história" no Romantismo, a História se faz então "realidade", integrando historicamente o estudo do desenvolvimento dos povos, de sua cultura erudita e de seu saber popular (folclore), de sua personalidade coletiva ou espírito nacional, de suas instituições jurídicas e políticas, de seus mores e práticas típicas, de seus modos de produção e existência material e espiritual, cada vez mais nas linhas de um tempo cada vez mais mítico ou idealizado" (1978, p. 18)
O Iluminismo propunha a idéia de um cidadão abstrato e racional como fundamento de seu projeto de sociedade, um projeto universalista. O romantismo, por outro lado, reivindicava a necessidade de localizar estes indivíduos no contexto de suas comunidades, de suas nações, da história de suas nações. O romantismo foi sem dúvida um fermento importante na formação de uma tradição historicista dentro das ciências sociais. O seu cosmopolitanismo, como vimos na citação acima, dedicando grande atenção às diferenças culturais e a história dos povos, constitui elo entre o historicismo e o romantismo.
Mas esses são também elementos que ligam o romantismo a uma tradição interpretativa nas ciências sociais. Toda a tradição interpretativa de Weber, Simmel, Dilthey seriam impensáveis sem a confluência do historicismo, romantismo e da hermenêutica. A procura dos elementos que configuram o espírito de um povo, ou de uma época, é romântico, antes que seja apropriado por Hegel, ou pela hermenêutica de Schleiermacher ou Dilthey. A busca de uma compreensão emocional do passado, um certo culturalismo, também o são - assim como a ênfase analítica em um sujeito localizado espacial e temporalmente.
E depois eu reviso e amplio isso.
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Jonatas Ferreira
Texto extraído de: http://quecazzo.blogspot.com/2007/09/o-romantismo-e-as-cincias-sociais.html
Essa constatação, todavia, nunca é levada muito a sério, pois no mais das vezes os sociólogos estão interessados em demonstrar a solidez de seu conhecimento, o quanto ele é sisudamente científico. Muito de passagem, costuma-se falar, por exemplo, do impressionismo simmeliano; não seria, de fato, difícil apontar na obra de Georg Simmel um vitalismo que o aproxima da ênfase que o Impressionismo dá ao movimento como traço não apenas da vida moderna, mas de sua estética. O antiformalismo simmeliano, seu ensaismo também são elementos que o conectam a este tipo de estética. Simmel parece, portanto, ser uma ovelha desgarrada entre os clássicos - já se falou, para poder dar coerência a uma visão pobre, mas corrente da sociologia clássica, que ele seria pós-moderno temporão (Cf Weinstein, D. e Michael Weinstein. 1993. Postmodern(ised) Simmel).
Por tudo isso, acredito que seja frutífero reconhecer a enorme importância que o romantismo tem na consolidação de uma vertente interpretativa nas ciências sociais. Primeiro poderíamos falar de algumas referências comuns. Quem já leu o Discurso sobre os Fundamentos e a Origem da Desigualdade entre os Homens poderá de imediato retirar algumas conclusões. Romântico em sua idealização de uma infância perdida da humanidade, em sua crítica radical ao processo civilizador, Rousseau é neste livro uma referência duradoura para as ciências sociais. Derrida, por exemplo, observa a influência deste livro na obra de Lévi-Strauss, em seu carinho pelo bom selvagem. Gerd Bornheim, acredita que Rousseau (ou uma interpretação simplificada de sua obra) seja uma influência mais direta no proto-romantismo alemão, mas especificamente no movimento Sturm und Drang (Tempestade e Ímpeto). A busca de uma relação mais direta do homem com a natureza, a valorização do irracional, do genial ( concebido como força não racional), são alguns valores que aproximaria Rousseau do proto-romantismo alemão.
Introduz-se assim a crença, à qual todo o Romantismo permanecerá fiel, de que a irracionalidade é uma força positiva: o caos constrói, compõe. Daí o tema do demoníaco no Sturm und Drang, que leva a considerar o gênio o valor máximo. O gênio é o Kraftmensch, o homem habitado pela força da natureza, que faz dele um demiurgo apto a manifestar todas as suas possibilidades, o infinito da pulsação cósmica que traz consigo e o anima. Antecipando Nietzsche, é caracterizado como uma espécie de super-homem. A ordem, a virtude, a moral são substituídas pelo caos criativo, pela força do gênio, pelas paixões vitais além de toda medida (Bornheim G. In Guinsburg, O Romantismo, p. 82)
Uma outra vertente do Romantismo alemão, parte, não de Rousseau, mas do Iluminismo kantiano. Lembremos, a propósito, de Schleiermacher, célebre por sua contribuição na consolidação de uma hermenêutica científica, e que esteve muito próximo dos círculos onde transitavam figuras destacadas, tais como os irmãos Schlegel ou Novalis. Se esses pensadores colocam-se sob a influência kantiana tal como ela é processada por Fichte, eles não compartilham com o pensador de Könisberg seu entusiasmo pelas Luzes, seu otimismo em relação a começar um mundo novo, de realização do potencial de liberdade do ser humano, a partir de uma ruptura com o passado. O Iluminismo pretendeu ser um movimento de ruptura, a inauguração de uma ordem social inteiramente racional, cuja legitimidade teria que ser constantemente conquistada no presente do diálogo entre os seres humanos. Em contraste, e em oposição, Novalis, Schleiermacher ou os Schlegel viam a tradição como um manancial importante de reflexão e produção artística.
Para o romantismo, o passado é fonte de inspiração, e à idéia de uma sociedade racional, ele opõe a emoção como elemento de coesão social e de conexão com este passado. A hermenêutica moderna deve muito a esse movimento artístico. Citarei um trecho do livro O Romantismo, de J. Guinsburg: "Assim, porque tudo se faz "história" no Romantismo, a História se faz então "realidade", integrando historicamente o estudo do desenvolvimento dos povos, de sua cultura erudita e de seu saber popular (folclore), de sua personalidade coletiva ou espírito nacional, de suas instituições jurídicas e políticas, de seus mores e práticas típicas, de seus modos de produção e existência material e espiritual, cada vez mais nas linhas de um tempo cada vez mais mítico ou idealizado" (1978, p. 18)
O Iluminismo propunha a idéia de um cidadão abstrato e racional como fundamento de seu projeto de sociedade, um projeto universalista. O romantismo, por outro lado, reivindicava a necessidade de localizar estes indivíduos no contexto de suas comunidades, de suas nações, da história de suas nações. O romantismo foi sem dúvida um fermento importante na formação de uma tradição historicista dentro das ciências sociais. O seu cosmopolitanismo, como vimos na citação acima, dedicando grande atenção às diferenças culturais e a história dos povos, constitui elo entre o historicismo e o romantismo.
Mas esses são também elementos que ligam o romantismo a uma tradição interpretativa nas ciências sociais. Toda a tradição interpretativa de Weber, Simmel, Dilthey seriam impensáveis sem a confluência do historicismo, romantismo e da hermenêutica. A procura dos elementos que configuram o espírito de um povo, ou de uma época, é romântico, antes que seja apropriado por Hegel, ou pela hermenêutica de Schleiermacher ou Dilthey. A busca de uma compreensão emocional do passado, um certo culturalismo, também o são - assim como a ênfase analítica em um sujeito localizado espacial e temporalmente.
E depois eu reviso e amplio isso.
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Jonatas Ferreira
Texto extraído de: http://quecazzo.blogspot.com/2007/09/o-romantismo-e-as-cincias-sociais.html
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