segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

A linguagem parece sonhar


Saussure, o pai da lingüística moderna, uma vez começou a estudar anagramas latinos - um corpo poético obscuro, usado em grande parte ocasionalmente - para ver que provas eles poderiam conter a respeito da natureza da linguagem. À medida que ele comparava os anagramas com outros tipos de poesia latina, começou a perceber anagramas nestes outros textos. Certas letras, sempre formando palavras que reforçavam o assunto do poema, estavam embutidas e padronizadas de acordo com a superfície lingüística dos textos. Quando ele investigou a prosa latina, também encontrou anagramas. Poesia latina medieval? Mais anagramas. Mesmo a poesia moderna, escrita por estudiosos, trazia tal sintoma. Seria uma conspiração bizarra, uma tradição passada silenciosamente de poeta a poeta, mas alheia à filologia? Saussure começou a agir de forma estranha. Escreveu uma carta a um professor de literatura clássica, que vivia na Suíça e era conhecido por seus versos em latim polido. "Por que sua poesia está cheia de anagramas?", perguntava Saussure. "O que está acontecendo?" Desnecessário dizer que ele não obteve resposta. Nesse ponto, Saussure cambaleou para trás como se estivesse sentindo a vertigem de cair num abismo. Ou a conspiração era real, ou então a própria linguagem era a fonte de tantos anagramas. A própria linguagem tinha uma espécie de inconsciente, um processo onírico, que se organizava em jogos sinistramente sagazes, de palavras sobre palavras, de palavras dentro de palavras, significativos anagramas ocultos, embutidos, inscritos em todo texto que ele examinava. Havia um nível de linguagem além da langue/parole, do signo e do significado? Ou ele estava enlouquecendo? Abalado, Saussure abandonou o projeto. (1)



Nota:


1 - Veja o estudo de Jean Starobinski (1979) sobre os cadernos não publicados de Saussure sobre anagramas, Words Upon Words: The Anagrams of Ferdinand de Saussure. (N. A.)



Extraído de:


Peter Lamborn Wilson - Chuva de Estrelas : o sonho iniciático no sufismo e taoísmo

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